domingo, 8 de agosto de 2010

Cobra Norato

Foi na beira do trombetas, que nasceu o honorato filho de índia tapuia moça forte, índia porá que além do filho norato teve maria caninana, sua irmã

O norato e a caninana foram concebidos quando a mãe muito feliz no rio se banhava -foi encanto da cobra grande que então ali se desenrolava!

Nasceram gémeos; só a mãe e tupã os viu de perto: os gémeos eram cobras de couro, escuro e brilhantes mas o tempo e tupã se encarregou de mostrar, muito além desses semblantes

Ele tinha o couro azul, uma carcaça reluzente se comunicava muito e vivia bem contente

Ela tinha o couro preto e vivia bem escondida e, por não gostar de gente em todos dava mordida

Ele era encantado ela, falsa, feia, lisa ele amava sua mâe ela lhe tinha ojeriza

Assim se diferenciavam desde cedo, desde logo, ele dizia: te cuida! Ela dizia: te afogo !

A mae tapuia os batizou nas águas do paranã já que em terra não andavam -quem sabe, talvez, amanhã?

Pediu a tapuia ao pagé que a cobra azul curumim pudesse ter um encanto que ele merecia sim

Contou a tapuia ao pagé

Que ela ficou embarrigada quando se lavava no rio -por certo estava pelada!

Os dois se criaram no rio nas águas do paranã: curumin, podia ir na terra mas, não podia ir a cunha

Por causa de uma mandinga corpo de gente não podiam eles com certeza assumir e ela, sabendo disso então logo se pôs a sorrir

Ela dizia que ia engolir a tapuia, que tanto odiava para ela a mãe era a culpada de seu irmão ser tão lindo e ela ser feia, escangalhada

Nos dias calmos, os irmãos mergulhavam nas marolas reviravam os dorsos ao sol bufavam de tanta alegria -eram crianças de escol !

Norato era bonito e forte e tinha bom coração e para visitar sua mãe que fosse por um momento ele, na forma de homem veja só que sofrimento

Norato nadava pra margem e aguardava o momento para visitar a sua mãe usando o encantamento

E o norato esperava ouvindo xingos da irmã que dizia: - mato ela! -mata nada, minha irmã!

Tão logo que escurecia e apareciam as estrelas

A acauã deixava de cantar cobra norato saía d'água e na areia ia se arrastar

E a areia do rio rangia pois norato era pesado ele subia até o barranco e passava a ser encantado

E, lá no barranco ficava o seu couro monstruoso brilhando à luz da lua azul cobalto; escamoso

E, erguia-se rapaz bonito todo de branco, a brilhar ia cear com a mãe tapuia e o couro ficava a esperar...

O corpo da cobra ficava estirado no paranã: norato tinha que meter-se nele à primeira luz da manhã

E o norato metia-se, naquele couro antes do cantar do galo, de manhã e, então a cobra ganhava vida e mergulhava nas águas do paranã

E assim viveu, encantado um moço infeliz pelo fato de querer ser gente, mas era somente a grande cobra norato

Norato só fazia o bem para as gentes ribeirinhas salvou gentes, venceu peixes expulsou as piranhinhas

Certa feita ele lutou,Por três dias e três noites

E o rio trombetas chorava, Enquanto dava dentadas e açoites

E a luta durou tanto, até -sabe quando ela parava? -quando o espírito medonho para os infernos se mandava!

Já a Maria Caninana Vivia a fazer maldades Alagava embarcações Apavorava os arrabaldes

Fazia os ribeirinhos Viverem sempre com medo Matava gente a pescar E se mostrava, sem segredo.

E nunca procurou a tapuia Que no Tejupar morava E nunca ajudou um náufrago -Na verdade ela os atacava!

Hoje em dia contam que Lá em Óbidos, no Pará Debaixo de uma igreja Uma grande caverna há

Lá, uma grande serpente está dormindo

Com a cauda no rio, cabeça debaixo do altar

Encantada pela Senhora sanfana

Dizem que a terra racha, se alguém a serpente acordar

Caninana mordeu a cauda da serpente

Mas a serpente não acordou

Ela apenas se mexeu,

E foi assim que a terra rachou

E a terra rachou de verdade Desde o mercado até a matriz Mas, ela queria derrubar a igreja Só não conseguiu por um triz

Nisso chegou o Norato E matou a sua malvada irmã E ficou por ali, brincando Nos igarapés do paraná

A partir desse dia, todos viram Que o Norato era do bem E nas festas de potirúm de farinha O Norato era recebido também

E o Cobra Norato só desencantava Quando os acauãs paravam de cantar E só então, todas as moças das festas, Finalmente sua beleza podiam admirar

E, de branco ele dançava Sorria, mostrava os dentes Conversava com os rapazes E todos ficavam contentes

Porém, quando o dia ia chegando

Norato cumpria o destino com destemor

E metia-se naquele couro, brilhante

E, da cobra mergulhando, ouvia-se o rumor

Uma vez cada ano o Norato Um amigo ele convidava Queria que desencantassem E que a cobra matassem

E para quebrar o encanto O Norato então explicava Que esperassem a cobra dormir Quando a boca ela escancarava

E na boca desta besta fera Qual relâmpago, com açoite A cobra mostrava os dentes Brilhando à prata dentro da noite

E para desfazer o encanto Aquele que coragem tiver Tinha que pingar três gotas de leite Tiradas do seio de uma mulher

E depois que cobra acordava Arrotando o veneno de mulher gente Tinham que feri-la com um cutelo De ferro virgem, evidentemente

A cobra se contorceria Lamentando sua ferida Fecharia a boca ensanguentada E Norato seria homem o resto da vida

Se alguém tivesse coragem Para queimar essa serpente Tudo estaria resolvido E a mãe tapuia ficaria contente

E dizem que gente em profusão Para ajudar o Norato Levavam aço virgem e leite E olhavam a cobra no mato

E a cobra era tão grande e feia Que a todos ela assombrava E mesmo ela dormindo, o povo Um herói ninguém encontrava

A própria tapuia tentou Mas, na hora teve medos Deixou cair no chão o leite E o cutelo, por entre seus dedos

E o cobra Norato continuou nadando E assobiando na imensidão Do Amazonas e do Trombetas Indo e vindo, sem remissão

Num festim de putirúm famoso Nadando pelo Tocantins e Cametá Deixou o corpo na beira do rio E foi lá beber, dançar e conversar

Ele conheceu um homem valente

Que , por acaso era soldado

E pediu que o desencantasse

O soldado levou leite e um machado

E o soldado viu a cobra dormindo Estirada como morta no barranco A cobra estava com a boca aberta E o soldado era bravo e franco

Desceu o machado com vontade No cocoruto da cabeça acertou O sangue encantado marejou

A cobra sacudiu e parou

Honorato deu suspiro de alivio Até veio ajudar a queimar o couro Da cobra onde vivera tantos anos Para ele, a vida era um tesouro

Dizem que o Norato morreu tarde Lá para os lados do Cametá Mas, seu espírito vive nos rios Ainda virgens, no Estado do Pará

Não há no Pará um só ser que ignore A vida da Cobra Norato naquelas paragens São estórias, são causos, são crendices São espíritos vistos pelas margens

Ainda hoje se escuta os canoeiros Batendo a jacumã, fazendo relato Indicando as paragens inesquecidas: -Ali passava, todo dia, a cobra Norato!

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